O projeto

Apresentamos a seguir os passos que adotamos na implementação de um projeto de exploração leiteira intensificada, a pasto, de búfalas que, longe de representar um “modelo exemplar”, traduz uma experiência prática que vivenciamos.

A propriedade, localizada no sudoeste do Estado de São Paulo, no município de Sarapuí, possui uma área total de 93 ha, sendo destas, 50 ha destinados à exploração agropecuária e o restante, ocupado por açudes, matas preservadas, estradas/corredores e benfeitorias. As pastagens implantadas eram de B. ruziziensis. Abaixo, o levantamento topográfico da mesma:

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A análise do solo (abaixo) revelou um solo francamente arenoso, ácido, pobre em macro e micronutrientes. Apesar disso, a pastagem encontrava-se em condições razoáveis, com poucas invasoras e sem sinais de compactação elevada (apenas alguma regiões isoladas com rabo de burro).

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Tendo sido adquirida em junho/2000 deveria ser adaptada para introdução do rebanho bubalino ao final de dezembro, o que não permitia uma reforma radical de pastagens (a B. ruziziensis é pouco tolerante à seca e bastante susceptível ao ataque de cigarrinhas), porém, o baixo nível de fertilidade do solo não permitiria de imediato a substituição por gramíneas de alta produtividade, mais exigentes.

A finalidade prevista da exploração era efetuar um ciclo completo, com produção leiteira, cria e recria, tanto de machos quanto fêmeas a fim de comercializar o leite e animais para reprodução.

O suporte usual das pastagens na região situa-se em torno de 0,8-1,5 UA/ha, ou cerca de 1 búfala por hectare no período chuvoso, bem marcado na região, com disponibilidade de pastagens entre novembro-abril e um período seco e frio no outono/inverno.

O projeto forrageiro previu para as matrizes, pastejo rotacionado nas águas e consumo de mistura de silagem de gramíneas+cana+uréia no período seco; para as novilhas, pastejo rotacionado nas águas e, na seca, extensão da área de pastejo com ocupação das áreas de capineiras destinadas à silagem (pasto diferido) ; para garrotes, pastejo rotacionado nas águas e venda de animais com 2 anos (reprodução ou abate) com redução da lotação na seca e para bezerros, aleitamento no período seco (pela estacionalidade dos bubalinos), complementados com pastoreio de corredores, pequenos piquetes de manejo e a mesma alimentação das matrizes. Planejou-se uma área para rotação de culturas sendo plantado milho para consumo no verão e forrageiras de inverno/pousio na seca e a cada 3-4 anos, rotação com a área de cana.

A área disponível foi então subdividida em “lotes” menores, respeitando a “geografia” do terreno, procurando manter os piquetes de manejo e forrageiras mais próximas do estábulo e outras, destinadas a ensilagem e diferimento na seca, junto à área de novilhas.

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Com base na lotação prevista e estimando um consumo diário de 2,5% do PV em matéria seca, estabelecemos a produtividade necessária das pastagens e forrageiras.

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Para obtenção do suprimento de volumosos nas pastagens, a produtividade regional de 0,8 a 1,5 UA/ha mostrava-se insuficiente, da mesma forma que os valores máximos obtidos pela adoção de um pastoreio rotacionado sem ou com uso mínimo de insumos (fósforo/calagem), que atinge um suporte máximo de 2,5 a 3,0 UA/ha. A alternativa proposta foi então a de intensificação com base em pastejo rotacionado e uso de fertilização visando atender em cada lote a produção necessária.

Desta forma, procedemos à aplicação de corretivos e fertilizantes visando instituir níveis de fertilidade do solo que permitissem uma produtividade ampliada. Verifica-se que os níveis almejados de produtividade, conforme anteriormente mencionado, são passíveis de serem alcançados mesmo com a B. ruziziensis. Efetuamos uma roçada em toda a pastagem e sobre a palhada, aplicamos os insumos superficialmente, misturando a eles sementes de B. brizantha, sem incorporação sendo ainda aplicados cerca de 30 kg de nitrogênio por hectare, visando acelerar a decomposição da matéria orgânica depositada. Na área de garrotes, cuja ocupação somente se daria em março e onde o solo se mostrava mais pobre e compactado, procedemos a uma reforma do mesmo, introduzindo B. brizantha. Após a correção (3 anos), a análise do solo mostrou a seguinte evolução:

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Efetuamos a implantação de curvas de nível conforme a declividade do terreno. Cercamos cada área com cercas convencionais de 5 fios e procedemos a divisões internas em cada área com cercas elétricas, deixando uma distância de cerca de 1 m entre a cerca elétrica e a convencional na periferia, a fim de ali implementar arborização visando sombreamento para melhorar o conforto animal e agir como “quebra-vento”, reduzindo a erosão superficial.

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Procuramos configurar cada piquete ao máximo respeitando as curvas de nível, o que permite aos animais um menor esforço para colheita da pastagem, reduzindo a necessidade de energia alimentar, bem como favorecendo a redução da erosão e distribuindo melhor a deposição de dejetos na pastagem. Em cada piquete, colocamos bebedouros com bóia e saleiros rústicos, o que também contribui para a redução da movimentação dos animais e a conservar melhor os corredores. A divisão, com os corredores e piquetes, tomou o seguinte aspecto:

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O princípio adotado na divisão foi o de permitir um repouso de cerca de 30-32 dias de cada piquete (ciclo determinado para as braquiárias, sendo que para napier e colonião, recomenda-se cerca de 40-45 dias) e um período de ocupação máximo de 3 dias (a fim de que o animal não como a rebrota). Para períodos de sobras, que ocorrem no período chuvoso, previmos cortá-las e acrescentar ao silo em confecção e para pequenos períodos de escassez (veranicos), reservamos pequena área que denominamos “escape” ou, ainda, prevê-se a suplementação de volumosos (cana, por exemplo).

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Desta forma, a área de matrizes foi dividida em 16 piquetes com cerca de 9 a 9,5 mil m2 (2 dias de ocupação por 30 de descanso). As áreas de novilhas e garrotes, foram subdivididas em 12 piquetes cada uma, para ocupação de 3 dias e 33 dias de descanso.

Durante o período chuvoso, mantinhamos os animais em lactação em um grupo e as secas em outro, no piquete imediatamente anterior, de tal forma que às primeiras, que tem maior demanda nutricional, é permitido selecionar a dieta. No período de seca, repetimos anualmente a análise do solo, tomando amostras agrupadas por “talhões” relativamente homogêneos e, com base nelas, efetuamos aplicações de corretivos e fertilizantes visando sempre dispor de uma base adequada de nutrientes para a produção pretendida. De acordo com a lotação existente, calculamos a necessidade de matéria seca a ser produzida e aplicamos a fertilização recomendada para reposição dos nutrientes a serem produzidos, aplicando-as a cada saída dos animais.

fig09

Em função da grande deposição de dejetos na área (20-30 t/ano) esperamos a médio ou longo prazo aumentar a reciclagem dos nutrientes e desta forma, reduzir, ao menos em parte, o concurso de insumos externos. No período seco, os animais permanecem nas pastagens apenas durante a 1ª e 2ª ordenhas (4-5 horas/dia), e no resto do tempo, permanecem estabulados. O esterco é recolhido diariamente e colocado em montes que, no período das águas é aplicado sobre as áreas de capineiras e cana.

Em 1988-89, num projeto similar, numa propriedade no mesmo município, tivemos oportunidade de avaliar a qualidade do capim no momento da entrada dos animais nos piquetes (fevereiro), bem como da silagem produzida e, comparativamente com dados de literatura, observamos a seguinte composição:

fig10

Para o grupo de novilhas, a proposta de manejo envolveu pastejo rotacionado no período de chuvas e, no período seco, substituição de novilhas maiores que se integram ao rebanho de adultas ou são comercializadas aos 3 anos, por novilhas menores púberes e de sobreano, e inclusão da área de forrageiras de corte (Tanzânia/mombaça) no rotacionado, permitindo uma ampliação do período de repouso da gramínea e conseqüentemente sua maior oferta, conforme se observa na imagem abaixo:

fig11

Quanto aos machos, a proposta de manejo forrageiro é de rotacionado nas águas e, na seca, eliminação dos maiores (venda para reprodução ou para abate), se necessário tratando com silagem alguns animais destinados à reprodutores.

A produtividade das forrageiras aferidas no período de 2002/2003 no período de chuvas foi:

fig12Com tal produtividade foi possível o seguinte suporte:

fig13

 Verifica-se que mesmo os piquetes de braquiária, se ofertados aos animais nas condições apresentadas na tabela acima, apresentam teores de nutrientes suficientes para uma produção elevada. Com relação à produtividade obtida no projeto, lembrando tratar-se de búfalas leiteiras (cuja média produtiva no Estado de São Paulo, situa-se em torno de 1.500 kg/ano, e é remunerado com valores em torno de 50 a 80% superior ao preço e leite bovino), observamos o seguinte:

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Segundo dados da Embrapa Sudeste, a produtividade do sistema de produção intensificada de leite a pasto permite, utilizando-se de rebanhos especializados, a obtenção de produtividade de cerca de 20 mil kg de leite/hectare enquanto que sistemas tecnificados (estabulação, utilizando-se de mistura total), tem obtido produtividade média de 17 mil kg de leite por hectare.

Em 2010, visando um aumento na escala produtiva, adquirimos área contígua à propriedade com o objetivo de ampliar o rebanho a 100 matrizes divididas em 2 grupos de manejo, manter a recria de fêmeas e de alguns machos destinados à reprodução. Assim, a área total da propriedade passou a 50,7 alqueires (122,7 ha), dos quais, apenas 26 alqueires estarão integrados à produção (52%), 8% é ocupado por benfeitorias, estradas e corredores e cerca de 40% de reservas (mata e água).

Princípios Gerais adotados no Manejo Intensificado de Pastagens

 

  • Se a quantidade ofertada superar o consumo haverá uma melhor seleção da dieta pelo animal e menor esforço para obtê-la
  • Nos períodos iniciais de ocupação de uma parcela, a qualidade do alimento colhido é melhor que ao final do período.
  • A melhor qualidade da forragem permite um maior consumo de MS
  • Ofertar a pastagem após seu pico de crescimento amplia a quantidade de MS disponível.
  • O planejamento das instalações pode permitir um menor dispêndio de energia para manutenção do animal; distância da sala de ordenha, topografia-formato dos piquetes, conforto térmico (sombras, banhados, chuveiros), posição de bebedouros/ saleiros,etc
  • Quanto maior a quantidade relativa de folhas, maior a qualidade nutritiva do pasto.
  • Permitir à planta período adequado de repouso favorece uma produção otimizada de matéria seca. Variar os períodos de repouso/ocupação conforme as condições de desenvolvimento da planta (ambiente, nutrientes no solo, ..), respeitando as características próprias de cada espécie.
  • Introduzir os animais no momento em que exista uma adequada oferta de massa (particularmente folhas não senescentes – matéria verde seca)
  • Oferecer aos animais massa de volumosos superior às suas necessidades a fim de permitir que selecione melhor a sua dieta.
  • Não estender o período de ocupação a fim de não permitir que o gado coma a rebrota, que a qualidade da gramínea não decline, e que permaneça massa residual suficiente para garantir uma rebrota mais rápida e consistente.
  • Preferir parcelas retangulares tendendo ao quadrado, respeitando as curvas de nível e o mais próximas das salas de ordenha
  • Favorecer a distribuição mais uniforme do gado na parcela com colocação estratégica de corredores, saleiros, bebedouros e eventuais áreas de descanso.
  • Estender ao máximo a estação de pastejo (mesmo com ocupação parcial em cada dia)
  • Pode-se utilizar o nitrogênio (adubações) estrategicamente a fim de procurar acelerar o ciclo vegetativo.
  • Utilizar a roçadeira ou grupos rapadores para uniformizar áreas rejeitadas, principalmente no início.

Intensificação da Exploração Leiteira a Pasto

Acreditamos que a adoção dos princípios até agora apontados, agregados ao respeito à fisiologia de plantas e animais sob um sistema de pastagens, em maior ou menor grau, nos tem permitido disponibilizar, numa mesma área, uma maior quantidade de alimentos volumosos e de melhor qualidade aos animais, o que resultou numa maior produtividade

No planejamento do nível de intensificação pretendido, procuramos levar em conta entre outros fatores, as características da propriedade (solo, clima, topografia), a disponibilidade de infra-estrutura para exploração, o treinamento da mão de obra, os custos relativos de insumos necessários à otimização do sistema e da terra na região, do  valor do mercado do produto animal  entendemos não haver uma solução única aplicável a todas as situações.

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